domingo, 19 de junho de 2011

O Pensamento Zoroastriano

Texto fornecido por: Onaldo Alves Pereira

Pesquisa Ir.: Jaime Balbino de Oliveira
Conta a lenda que Zoroastro ao nascer ao invés de chorar sorriu. Essa história traduz muito bem a visão positiva e alegre que ele tem do mundo e de seu destino.
O antigo sistema de pensamento de Zoroastro, com todos os seus desdobramentos filosóficos, políticos e religiosos, continua atual em seus desafios e surpreendente abertura para a renovação.
A busca de Zoroastro começou como a de muitos dos profetas de então e de agora.
Chocado com as contradições da sociedade de sua época e decepcionado com as respostas dadas pelo meio pensantes ele decide fazer a sua própria descoberta. Difere, contudo das dos outros, a sua busca, por não ter como desencadeante o problema da morte. Mas o do estado de convivência social injusto de seu tempo e contexto. É interessante notar, desde logo, que ele começou fazendo perguntas e terminou descobrindo algo que lhe ajudou a fazer mais perguntas ainda, sem necessariamente acompanha-las com respostas.
Zoroastro descobriu o que queria, não como uma revelação e nem como coisa privativa sua. Ele encontra o óbvio, o que está escrito nas páginas da vida e pode ser lido por qualquer um. Ele é uma pessoa comum que no esforço de seu intelecto e na sensibilidade de seu espírito consegue ver que este é um mundo bom, criado por um Deus bom e destinado a alegria radiante. Constatando isso, ele desenvolve uma resposta que tem tanto uma elaboração filosófica como conseqüências práticas para a vida.
A grande questão, colocada para ser resolvida por todos os sistemas filosóficos e religiosos, o bem e o mal, para Zoroastro se resolve dentro da mente humana. O bom pensamento ou boa mente cria e organiza o mundo e a sociedade, o meu pensamento ou má mente faz o contrário. Cabe ao ser humano fazer uma escolha e ele tem o poder e a capacidade de fazê-la.
O Cosmo inteiro está a seu favor quando escolhe a boa mente enquanto que a má mente isola e portanto, angústia aquele que por ela opta. Essa escolha é feita no dia-a-dia da pessoa, em cada ação. Ninguém pode fazer uma opção definitiva, essa é um mecanismo dinâmico e progressivo.
Essa escolha não desencadeia a salvação ou perdição de alguém, ela é parte de um processo de aprendizagem contínuo, aberto e reformável de acordo com o contexto. Com o progresso de cada indivíduo progride o mundo, é acelerada a criação do universo. O quadro só será completado quando todos tiverem chegado lá. É como numa orquestra, o concerto só é possível após cada instrumento estar afinado. Aliás, essa é a organização interna de todas as coisas em suas especificidades. A condição da parte garante o funcionamento do todo.
Essa descoberta de Zoroastro levou a conclusões inusitadas e revolucionárias. Acenou com uma nova organização social e uma nova religião.
A religião baseada no medo do mistério e no apaziguamento de suas forças através da magia e da expiação não fazia mais sentido. Ele descobrira uma religião da alegria participativa. Admirada diante do fato de ser feita parceira de Deus em seu projeto de mundo, através de um processo de livre escolha e colaboração, a pessoa responde com o cultivo de Boa Mente, de Boas Palavras e de Boas Ações. Essa é a ética da responsabilidade.
Esse esforço, que inicialmente é individual e continuará a sê-lo, recebe, contudo o poder transformador de Asha.
Asha é o princípio organizador de Deus o qual traz em si todas as qualidades, justiça, retidão, cooperação, verdade, bondade etc. Asha age no mundo, em todos os setores e especialmente, nas pessoas que lhe abrem a mente. Ela estimula, provoca, incentiva e capacita à escolha e prática do bem. Asha poderia ser comparada à tomada que nos conecta à energia vital e criativa de Deus.
As pessoas que vão descobrindo a capacidade que têm de fazer essa opção vão se unindo na descoberta natural de que são parte de um todo magnífico, que se forma em parceira com Deus.
Nesse sistema não tem lugar de destaque a fé ou a crença. Não é necessário crer, é preciso saber e agir de acordo com o que se sabe. Temos aqui então uma religião do conhecimento.
A visão de mundo de Zoroastro não coloca o ser humano como o centro, o motivo de ser do planeta. Antes, uma das tarefas dadas pelo pensamento de Zoroastro é que o ser humano ache o seu lugar no mundo de forma harmoniosa, de modo a não desequilibrar o meio.
Reverenciar e proteger a terra, a água, o ar e o fogo além dos outros seres viventes, é uma preocupação constante que aparece no pensamento gático.
Não há diferença de raças ou de gênero em Zoroastro. O Deus descoberto por Zoroastro não é tribal e não tem um povo escolhido dentre os outros povos. Tanto o homem como a mulher pode tomar a liderança, mesmo nos ritos religiosos.
Talvez o que haja de melhor em Zoroastro seja a abertura, quase desafio para se seguir adiante perguntando, descobrindo, mudando e tudo isso, num movimento dinâmico de progresso. Nada está fechado numa ortodoxia oficial. Em seus cânticos ele faz 93 perguntas sem respostas. Está ausente ali a arrogância de dono de uma verdade estática e acabada.
A doutrina de Zoroastro ensina a emancipação e a autonomia do indivíduo. Só a partir disso se torna possível a descoberta do outro como pessoa e conseqüentemente a criação de comunidade. Não há lugar nessa visão para qualquer anulação do ego. Antes, o ego é reafirmado e colocado como base do encontro com o outro. Se sadio e bem amado o ego forte é poderoso na capacidade de doação e desprendimento.
A sociedade é para ser organizada dentro desses princípios de livre escolha, boa mente e busca do bem de todos os seres.
Os líderes têm que ser escolhidos por serem justos e equilibrados.
Zoroastro, apesar das dificuldades que enfrenta em seu tempo e que, também desencadeiam sua busca, não vê o mundo como arruinado, do qual urge fugir e se possível salvar alguns. Antes, o mundo é uma obra em fase de acabamento ao qual somos convidados a unir criativamente nas nossas vidas. Essa visão de mundo provoca uma ética diferente da que dominou o mundo ocidental, que recorre à punição/recompensa como veículo principal de estímulo ou contenção. A prática profunda desse pensamento na sociedade não teria criado um sistema judiciário com prisões.
O ser humano não está contaminado pelo pecado, antes, pelo contrário, capacitado à escolher a boa mente e a construir um mundo diferente. Uma leitura de Zoroastro com essa abundância de negações não lhe faz justiça. O contexto judaico cristão onde estamos inseridos, porém nos obriga a usar esses termos, pelo menos num primeiro momento.
Resgatado e atualizado esse velho pensamento pode fornecer material para a ética que precisamos nesse nosso tempo. Ele é aberto, estimula o conhecimento e a pesquisa, é ecológico, inclusivo e pode ser também fonte de uma profunda e rica espiritualidade.

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