quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Sócrates e a Metafísica



Primeiro, façamos a pergunta: O que é metafísica?
Quem nos responde é o filósofo espanhol Garcia Morente: “Metafísica é a parte da filosofia que responde ao problema da existência, da autêntica e verdadeira existência, da existência em si”. Se a metafísica é a parte da filosofia que responde ao problema da existência, não é difícil deduzir-se que metafísica nada mais é que uma “ciência” construída pela razão. Por isso é que a razão, partindo dos conceitos metafísicos, pretende conhecer todos os seres da natureza.

Através de Sócrates, percebe-se que o que há de mais importante na metafísica é a origem e a função dos conceitos. O ser precisa ser expresso em esquema conceitual a fim de que fique clara a sua evidência para a razão. Cada vez que a razão conceitua, parte para a elaboração de uma nova realidade do ser. Os conceitos primordiais da metafísica são as categorias: substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, ação e paixão. Portanto, as categorias significam os conceitos que a razão adota para conhecer, apreender e julgar a realidade.

Segundo Aristóteles, Sócrates é o inventor do raciocínio indutivo, sendo, assim, o iniciador da metafísica. Com ele, o pensamento encaminha-se para a aprendizagem do conhecer mediante conceitos: indução e o conceitos, duas coisas que se referem ao ponto de partida da ciência. Daqui se infere que o grande processo filosófico de Sócrates procura aparar todas as arestas que a ideia da coisa possa conter, a fim de poder atribuir-lhe aquilo que seja meramente acidental. O entendimento imediato ou mediato da coisa depende da clareza maior ou menor do conceito. Conceituar é uma arte, e Sócrates usou-a de maneira genial. Ele se socorre das mais variadas formas de definição, sem nunca perder de vista a lógica conceitual. Daí a meticulosidade de que ele lança mão para conhecer bem a coisa a ser definida. Quando define um objeto, ocorre-lhe o mesmo propósito de fazer, com o mundo moral, o que os geômetras fazem com o mundo das figuras físicas. Em primeiro plano, Sócrates examina cuidadosamente o objeto em estudo, tendo por mira analisá-lo sob todos os aspectos, procurando visualizá-lo de todos os ângulos possíveis, separando o que é meramente acidental daquilo que é objetivo e realmente essencial. Ele tem uma visão muito ampla de enorme quantidade de propósitos, de resoluções e de ações que se apresentam aos seres, no mundo moral.

Que faz então?

Procura reduzir ao mínimo esses propósitos, de resoluções, colocando a clareza do seu pensamento acima dos meandros da linguagem, que nem sempre reflete o pensamento com objetividade. Quando Sócrates pergunta o que é a verdade, ou o que é a coragem, ou o que é a justiça, deseja saber, conceitualmente, o que é a justiça, o que é a coragem, o que é a verdade. Para os gregos, quando se indaga “o que é”, pede-se que se “dê a razão de”. Para tanto, é necessário que se aplique o entendimento, a intuição intelectual, para que se possa chegar à razão que explique o que é a verdade, o que é a coragem, o que é a justiça, encontrando uma fórmula racional que seja capaz de abarcar, completa e inteiramente, a palavra justiça, a palavra coragem, a palavra verdade, sem deixar um ângulo sequer fora do estudo. É isso que Sócrates faz; razão por que, a partir dele, a filosofia assume não só uma forma variável, mas também um caráter de racionalidade até ali, ainda, não alcançado. Não nos podemos esquecer de que, dessa forma, Sócrates se opõe às artimanhas dos sofistas que, habitualmente, conforme pregam, usam as palavras para substituir os conceitos. Vamos repetir fórmula velha e conhecida, mas nem sempre examinada com cuidado: Sócrates estuda, sempre e meticulosamente, a essência de cada coisa. Ora, se seu ponto de partida é a conceituação, isso significa que a “teoria dos conceitos” leva à “teoria das essências”, tornando quaisquer processos pesquisados, lógicos, arrimados na razão e no raciocínio. Aí chegamos à chamada “teoria do conhecimento”.

A teoria do conhecimento, até certo ponto, é de uma simplicidade a toda prova. Que significa conhecer? Já vimos que conhecer significa formar conceitos. Mas... e o que é conceito? Seria bom, nesse ponto em que nos encontramos, fazer uma análise perfunctória do que seja conceito. Tudo aquilo que o espírito concebe, tudo aquilo que o espírito entende é conceito. Assim, de imediato, entende-se que conceito é ideia, é juízo, é opinião formada. Transportandonos aos oásis da filosofia, concluímos que conceituar é estabelecer características determinadas para aquilo que cada uma das essências vê realizar-se na substância. Não se pode e não se deve desfitar os olhos de que há dois tipos de conceito: conceito empírico, próprio da experiência, e o conceito puro, próprio da filosofia. O conceito empírico tem uma medida para cada elemento da realidade que ele classifica. Já o conceito puro é a percepção da realidade na intuição do sentido. O conceito demonstra que o interesse do pensamento se dirige imediatamente para a coisa intuída. Cabe ao pensamento a busca da realidade intuída. Assim, as imagens criadas pelo pensamento em junção com a realidade recebem o nome de ideias. Kant afirma que ideia é um conceito necessário de razão.

Por isso, o filósofo busca fazer com que ocorra a união entre o pensamento e a realidade. Quando se filosofa, a ideia está, obrigatoriamente, em tudo o que pensamos. À medida que o pensamento aumenta seu poder de conhecimento, ele se transforma em ideia. Ter ideia é ter o conhecimento da realidade. Todo homem que pensa é sempre um homem de ideias. O que não pensa é vazio delas. O saber nada mais é que o armazenamento espiritual de uma gama extraordinária de conceitos. Quem os possuiu mais que Sócrates?

Colaboração:
Arte Real Nº 36 / 2010.